O curta animado “Save Ralph”, dublado por Rodrigo Santoro aqui no Brasil, chocou muitos usuários nas redes e foi um sucesso na conscientização da população ao redor do mundo sobre os maltratos que animais sofrem em testes feitos por empresas de cosméticos. Na animação feita como se fosse um documentário, um coelho bastante positivo com a vida normaliza situações abusivas que sofre como perda de visão e queimaduras na pele, já o trabalho que ele efetua (como animal de teste) existe “pelo bem da humanidade”.

O curta termina de forma bastante chocante e fecha com a frase “nenhum animal merece sofrer e morrer em nome da beleza”. De forma geral, foi um curta que não só fez muitos dos que assistiram refletirem sobre como animais jamais aceitariam passar por esse tipo de teste por si mesmos, como também gerou dúvidas: que outros caminhos essas empresas podem tomar para não machucar os bichinhos, ainda mais com toda a tecnologia que temos hoje?

Em uma palestra pelo TEDx chamada “Why our grandchildren won’t know what animal testing is (por que nossos netos não saberão o que são testes em animais?, em tradução livre), o biólogo formado pela Harvad e cientista coordenador Genetic Engineering Machine (iGEM) apresentou uma das soluções mais interessantes e refinadas para a problemática.

Por meio de biotypes, pequenos objetos parecidos com cartões de crédito mas com espaçamentos dentro, é possível armazenar pequenas doses de células humanas e fazer elas interagirem entre si durante o teste de um produto. Nesse processo, é possível observar diretamente as reações diversas sobre o corpo que determinado cosmético pode gerar. E ainda, a parte mais promissora é a possibilidade de testar especificamente as células de um cliente específico antes de ele adquirir o produto ou remédio.

Uma inovação como essa, ainda que com suas limitações, pode abrir caminhos muito relevantes na criação de medicamentos e produtos personalizados cientificamente sob medida para as necessidades e alergias que as pessoas tiverem. Isso tudo, obviamente, sem abusos em animais que, por mais que tenham considerável compatibilidade genética conosco, ainda assim não demonstrariam resultados tão precisos como os de células humanas diretamente testadas.

Além dessa tecnologia, uma das que se mostrou bastante resultado foi uma desenvolvida pelos pesquisadores da Oxford, Thomas Luechtefeld, Dan Marsh, Craig Rowlands e Thomas Hartung: uma ferramenta de triagem química digital. Ao utilizar um extenso banco de dados composto de uma variedade de estruturas químicas utilizadas em remédios e cosméticos, o programa consegue efetuar comparações a partir do histórico de testes que (infelizmente) já foram feitos anteriormente em animais. A vantagem que esse programa traz é a possibilidade de dispensar o uso de animais reais para repetir esses testes continuamente pelas empresas, que já temos base para prever as reações.

Embora esse processo possua limitações (os pesquisadores ressaltaram muito que ele serve mais para medir os níveis de toxicidade de um produto do que para prever efeitos como risco de câncer), 87% dos testes efetuados nele conseguiram chegar em resultados equivalentes ou até mesmo mais precisos e constantes do os aplicados em animais. Também foi ressaltado que a ferramenta serve como complemento para tecnologias já existentes, como o Toxcast.

Assim, é possível perceber que o movimento pelo fim dos testes não parou em 1970 e continua até hoje pela mão de ativistas e cientistas ao redor do mundo que buscam o fim dessa prática. Uma dessas cientistas é a bióloga brasileira Bianca Marigliani, vencedora do Lush Prize em 2015 na categoria de “Apoio à Testes Sem Crueldade Animal”, por meio de uma pesquisa efetuada na RENAMA (Rede Nacional de Métodos Alternativos), no estado do Rio de Janeiro.

O foco de Marigliani é buscar aprimorar métodos já existentes para que eles sequer utilizem componentes de origem animal. É o exemplo do InVitro, um método que não utiliza animais como cobaias, mas utiliza o soro bovino fetal no meio do processo, que é literalmente retirado do útero desses animais após o abate. Ou seja, um processo que, por mais que não maltratasse um animal diretamente em um teste, ainda assim utiliza componentes que desnecessariamente provinham de uma violência tão cruel quanto.

Dessa forma, é importante perceber que existe sim pesquisa sobre o assunto, no Brasil e ao redor do mundo. Além disso, a tecnologia possui um papel essencial na hora de desenvolver cada um desses métodos que, felizmente, podem poupar muitos Ralphs no futuro de sofrimento, estresse e morte sem comprometer nossos desejos e necessidades.

Link do abaixo-assinado brasileiro de #SaveRalph (1,5 milhão de pessoas já assinaram!): https://www.change.org/p/autoridades-federais-brasileiras-brasil-sem-mais-atrasos-proíba-os-testes-cosméticos-em-animais-já?signed=true

-Italo Marquezini

Referências:

artigo original sobre uso de análises digitais para identificar toxicidade em cosméticos:https://academic.oup.com/toxsci/article/165/1/198/5043469

https://www.youtube.com/watch?v=84RJq4knO-4

https://www.youtube.com/watch?v=qZHqIKo9mXQ

https://www.youtube.com/watch?v=G393z8s8nFY

https://www.sciencemag.org/news/2018/07/new-digital-chemical-screening-tool-could-help-eliminate-animal-testing

http://www.tedxgoodenoughcollege.com/portfolio/manfredi-san-germano-why-our-grand-children-wont-know-what-animal-testing-is/