O consumidor deveria se permitir mais vezes a dizer não, digo isso porque venho percebendo que as pessoas chegaram a um estado de aceitação tão grande quando se trata de fornecedores, comércios, varejos, prestadores de serviço e outros muitos negócios que elevam o grau do mau atendimento sem sequer se preocuparem. Mas impressionantemente grande parte das pessoas simplesmente preferem aceitar do que se indisporem.
Recentemente liguei em um laboratório odontológico para agendar um Raio-x, pelo telefone falaram que não havia necessidade de agendar um horário, que para este exame poderia ir direto. Ao chegar no laboratório, um grande e caro laboratório na região dos Jardins em São Paulo, falei com a recepcionista e ela pediu para que eu retirasse uma senha e aguardasse ser chamado. Sentei, acessei o Instagram, este maldito app que tem a capacidade de te tirar horas do mundo real, e meia hora depois verifiquei que nada havia acontecido ao meu redor. Fui até a recepcionista e perguntei se ela havia esquecido de me chamar, ela disse que não, que eu já ia ser chamado, então perguntei se seria chamado diretamente para fazer o exame, então ela disse que não, que primeiramente seria chamado para abrir uma ficha e ai então esta ficha seria inserida na fila para fazer o exame, agradeci e fui embora com a convicção de nunca mais voltarei neste lugar. Muitos dirão que sou radical, fazer o quê, eu sou mesmo.
História comum? Óbvio que sim, tenho reparado este tipo de coisa acontecendo principalmente nos prestadores de serviço, quando se trata de produtos físicos fica mais fácil ser exigente, mas para produtos intangíveis, este povo é muito tolerante (rsrs). Diversas vezes eu entendo o brasileiro suportar serviços públicos de má qualidade, mas de empresas privadas é gostar muito da tolerância, de certa forma chego a pensar até em ignorância, e não entendam mal, não gosto de ofender, mas quando digo ignorância é no sentido de falta de conhecimento do que é direito, e até uma pré-disposição a assumir a culpa.
A cultura de direito do consumidor é extremamente nova no Brasil, o código de defesa do consumidor, que é a lei que regulamenta os direitos dos consumidores é muito recente, teve seu nascimento apenas em 1990, e foi resistido por alguns segmentos até 2006, como por exemplo os bancos. Muitas vezes a opressão e a resistência das empresas em cumprir normas é um grande dificultador para que as necessidades dos clientes sejam honradas.
Embora isso esteja mudando, e a legislação tem ajudado muito, muitas vezes o que limita é o nivelamento pela mediocridade, ou seja, não é raro ouvirmos comentários do tipo: “não tem o que fazer, é tudo igual”, já atestando que a concorrência é tão ruim quanto o atual. A coisa só se escancara quando uma concorrência decente aparece e expõe o serviço ruim. Foi o que aconteceu com o Uber, que em meados desta década surgiu e sem que os taxistas percebessem, seu mercado já estava sendo incomodado, e notem, eu disse incomodado, hoje atesto que a chegada dos aplicativos para carros particulares como serviço de transporte não foi de fato uma ameaça para os taxistas, não em uma cidade de aproximadamente 12 milhões de habitantes e uma deficiência de mobilidade que beira o caos diário, na verdade, foi uma diversificação de opções de transporte que só amenizou a carência que sofríamos antes, e hoje, mesmo com ubers, 99s, patinetes, bicicletas, ainda é difícil se mexer nesta cidade, mas isso é assunto para outra hora.
Voltando ao foco dos consumidores, nada me tira da cabeça de que a tecnologia deve começar a fazer pelas pessoas e pelos negócios, o que um padrão de aceitação não o fez, a corrida da transformação digital pode ser uma saída para cada vez mais elevar o nível da qualidade necessária para termos justiça e até mesmo dignidade, eu acredito nisso, tomara que não esteja errado.
Por hora, enquanto este dia não chega, alguns recursos e esforços tem ajudado muito. O Youtube hoje é um rico espaço para aprender de forma fácil a lidar com problemas de consumo, há uma infinidade de pessoas gerando conteúdo com casos e dicas do que fazer diante a problemas com empresas.
O bom e velho site do Reclame Aqui permite dar muita voz para o consumidor disposto a reclamar.
O Procon deu um importante passo há alguns anos atrás e criou o Procon online, ou melhor o www.consumidor.gov.br . Uma plataforma que permite abrir reclamações e acompanhá-las em um processo, quase que 100% digital, embora algumas etapas ainda sejam feitas por um contato telefônico, isso não é de longe o stress necessário para tratar uma reclamação no modelo antigo.
E ainda falando em Procon, a plataforma deles na internet, https://www.procon.sp.gov.br/espaco-consumidor/ , fornece uma série de conteúdos e cursos, inclusive presenciais para ajudar a desenvolver a população.
Nos dias de hoje ainda há um problema grave de desinformação, porém isso não se deve ao fato de falta de informação, mas falta de interesse. Talvez o próximo passo seja motivação, e é por isso que estamos aqui, a AVRA firme e forte quer ajudar a mudar este cenário, embora árduo seja o desafio, nós estamos contentes em enfrentá-lo, mudar o patamar de conhecimento da população será extremamente satisfatório, seja no ambiente profissional, ou até mesmo para que eles saibam quando eles devem exigir melhores condições no processo do consumo. Vamos para cima e feliz semana do consumidor 2020.
Ulisses André Souza
Me identifiquei muito com o texto, principalmente quando falamos de “não tem o que fazer, é tudo igual”. Tem mercados no Brasil que parece que existe um acordo entre as empresas para manter o serviço precário e entre o governo para evitar a entrada de novos concorrentes.
Excelente observação! Por mais que muitas vezes tenhamos que nos contentar com o mal menor, a conformidade com esse mal é o que garante que vai tudo continuar do jeito que está. Devemos expôr nossa indignação e exigir serviços melhores daqueles que se propuseram a oferecê-los.