Minha segunda opção de título para este artigo era: “motivos para o escritor desse texto tomar vergonha na cara e começar a aprender a meditar”. Achei que ninguém se importaria o suficiente para querer saber sobre as minhas vontades ou sobre a minha falta de disciplina, então optei pelo título que a Lana, coordenadora de conteúdo aqui da Avra, sugeriu desde o começo. Vamos ao texto, já gastei demais o seu tempo com um parágrafo como esse, não é?

Há algumas semanas, houve uma polêmica envolvendo um usuário Co-CEO de uma empresa no LinkedIn, que elaborou uma postagem julgando uma candidata por se recusar a fazer uma entrevista de emprego em um domingo. De acordo com a mulher, ela optava por descansar aos domingos, isso foi o que a levou a pedir para remarcar para a segunda, pedido esse que foi recusado por esse Co-CEO que também efetuava a função de recrutador. Claro, pode até haver aqueles que concordam com o que ele disse, mas o próprio usuário decidiu apagar a postagem e se retratar com um pedido de desculpas. Ambos levavam estilos de vida bem diferentes. Cada um usava seu tempo de forma diferente. Se a moça decidiu recusar a entrevista para aquele dia e optar por marcar em um dia de semana, isso foi por escolha dela. 

Esse tipo de situação evidencia as discussões que envolvem o nosso tempo. Não deveria, essa candidata, usar o tempo dela integralmente pra se disponibilizar para esse tipo de oportunidade? Ou então, não deveria esse contratante separar melhor seu tempo de forma que seus dias durante  a semana estivessem disponíveis também para procurar alguém para a vaga oferecida, sem deixar isso afetar o fim de semana? Eles usaram o tempo deles de forma correta? A gente deveria opinar sobre o que os outros fazem com  tempo deles? 

No documentário brasileiro “Quanto tempo o tempo tem?” é diferenciado o modo como um camponês enxergava o tempo diferente de um padre ou de um soldado. A sociedade industrial no século XIX é quem vai impor um ritmo de trabalho mais disciplinado e homogêneo, muito diferente da realidade pautada pelo ciclo natural do sono já dos próprios animais. Foi relógio mecânico que mudou tudo, além da luz elétrica, já que agora o homem não dependia mais do sol para ter uma fonte luminosa realmente efetiva para trabalhar (ou para ficar no bar até a calada da noite). 

Cada vez mais, ao longo dos séculos, máquinas foram criadas para poupar, enriquecer, estocar e até mesmo programar a forma como tempo age nas nossas vidas. Um carro nos ajuda a poupar o tempo. Um videogame nos ajuda a enriquecer o nosso tempo. Um despertador ajuda a programar o tempo para que possamos acordar no horário mais propício. Talvez a gente não deva opinar sobre o que os outros fazem com o tempo deles, mas definitivamente a sociedade e nosso contexto moldam como usamos nosso tempo, quer a gente perceba ou não. Assim, acabamos sempre esperando a próxima urgência. Tudo isso cada vez mais depressa. Cada vez mais difícil de acompanhar. Esse é o século XXI…

As gerações hoje nasceram com uma necessidade de velocidade enorme, aceleração esta valendo até para quando se trata sobre pensar na própria produtividade, conhecimento e paixões. A “era das comunicações” gera essa sensação de que tudo deve acontecer perfeitamente ao mesmo tempo. Steven Rehen, neurocientista, até mesmo reforça a ideia de que não há mais uma diferenciação entre dia e noite, ambos se tornaram horários “obrigatoriamente” produtivos. Chega a ser errado não seguir esse ritmo, aparentemente. No entanto, isso prejudica nossos ciclos biológicos naturais de trabalhar durante o dia e descansar à noite, o que certamente, de acordo com Rehen, gera muita ansiedade e uma confusão no nosso sistema biológico natural. 

Usar bem o tempo é necessariamente ser produtivo? E você sabe realmente diferenciar o produtivo de qualquer outro momento que você vive? Se soubéssemos diferenciar, então todo tempo acabaria se tornando produtivo, já que estamos acertando sempre, certo? No fim, tudo parece ser insuficiente. Precisaríamos sempre de mais tempo para sermos produtivos como deveríamos. Cada vez mais tempo a ser adicionado quando descobrimos que precisamos nos organizar para ver aquele filme, ou ler aquele livro e ou fazer aquele curso. Tarefas a serem feitas que lotam um ciclo de tempo que nunca consegue ser suprido. Um ciclo que fica cada vez maior e mais aterrorizante. Para sempre. 

Certo, não viveremos o suficiente para aprender todas essas coisas. Talvez nem tempo o suficiente para nos tornarmos sábios e soubermos responder algo tão complicado como o que cada um deve fazer com o próprio tempo. Nem iremos ter tempo o suficiente para sempre refletir a fundo qual o título mais bonito para dar a um artigo que claramente mais pergunta do que responde. Mas haverá tempo para arrumar a cama. Também haverá tempo para, quem sabe, deitar na grama. Tempo? Nós podemos usá-lo para andar pelas ruas a noite e sentir o vento como em uma boa letra de MPB. 

O Studio Ghibli, estúdio de animação japonês, utiliza tempo de seus filmes apenas para mostrar os personagens fazendo esse tipo de coisa considerada banal e mundana acompanhada de uma trilha sonora (geralmente composta pelo brilhante Joe Hisaishi) para nos lembrar que até nossos maiores heróis usam seu tempo para esse tipo de coisa. Hayao Miyazaki tem plena noção do efeito que esse tipo de cena causa: humaniza seus personagens e dá ênfase em suas emoções. Talvez essa seja uma das razões dos filmes desse estúdio serem tão estranhos às vezes, visto que há tempo para colocar seus personagens em um passeio de trem ou deitados na grama, mas não para responder todas as perguntas que surgem sobre aqueles universos fantasiosos e bonitos. Se eu acho isso ruim? Longe disso, é uma das razões pela qual esses filmes são únicos. 

Voltemos ao início do texto. Razões para começar a meditar? Há várias. Eventualmente começarei a meditar, mas no meu tempo. Eddie Vedder, vocalista da banda Pearl Jam, na música “I Am Mine”,  afirma reconhecer que um dia nasceu e que um dia irá morrer e o tempo que há entre esses dois eventos é ele quem decide. Portanto, já que temos o poder de decidir como aproveitar bem o nosso tempo aqui na terra, escolhi por escrever um começo tosco e um final tosco também, assumindo que falar sobre tempo e sobre como usá-lo é um problemão que eu não fui e talvez jamais serei capaz de resolver. 

“Assim como todos que testemunham tempos sombrios como este, mas não cabe a eles decidir, o que nos cabe é decidir o que fazer com o tempo que nos é dado” – Gandalf, em Senhor dos Anéis. 

– Italo Marquezini