“Chega junto, venha cá, você também pode lutar e aprender a respeitar, que o preto veio pra re-vo-lu-cio-nar” – Bia Ferreira, em “Cota Não É Esmola”
Spike Lee, em seu filme indicado ao Oscar “Infiltrado na Klan (2018)”, apresenta uma das melhores reviravoltas da história do cinema dos últimos tempos. Não o tipo de reviravolta em que o vilão é o pai do protagonista ou algo do tipo: é uma reviravolta que choca por nos colocar de volta à realidade. O filme se baseia na história real de Ron Stallworth, um policial negro do Colorado, que se infiltra na KuKluxKlan local, uma seita supremacista branca e anti-imigração, por meio de telefonemas e cartas. Após uma série de investigações, Ron e sua equipe começam a ter a oportunidade de sabotar diversos crimes de ódio planejados pelos racistas. Mas o problema não acabou quando seus personagens terminaram de cumprir sua missão ou quando os créditos subiram na tela.
Como já dito, o filme possui uma reviravolta: Spike Lee termina seu filme com um compilado de filmagens e notícias das manifestações neo-nazistas de 2017 ocorridas em Charllotesville. Com este choque de realidade, o diretor mostra a persistência do racismo nos EUA e o quanto ainda há muito a se fazer, mesmo após 40 anos da missão de Ron. Isso não deveria ser considerado um spoiler, já que é esse tipo de notícia que devemos prestar atenção.
Infelizmente, embora com uma série de diferenças, muitas das problemáticas que o filme apresenta também valem para o Brasil. Nesse contexto, é importante citar a fala de Flávia Oliveira, comentarista de economia do Globo News. Em um programa histórico reunindo cinco mulheres pretas para debater sobre racismo e os protestos que ocorriam após o assassinato de George Floyd em uma abordagem policial e apresentado por Heraldo Pereira, jornalista e apresentador, também preto. Flávia afirma que o racismo no Brasil se apresenta como “o olhar de quem não nos vê ou nos vê em determinados lugares”.
Oliveira cita então o próprio exemplo de sempre precisar carregar o seu microfone com a logo da emissora para comprovar que é jornalista, já que ela poderia ser confundida como cinegrafista ou até mesmo assistente, mas jamais como jornalista. Ela também completa dizendo que ocorre uma normalização de negros em posições de menor remuneração e informalidade, e assim excluídos do sistema de saúde e maiores vítimas de violência policial e de encarceramentos em massa. Portanto, direitos sociais e econômicos em grande maioria garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não estão sendo cumpridos e o direito jurídico, policial e legal passa a não garantir tanta liberdade para negros quanto para outras etnias.
Aline Midlej, outra jornalista também presente no dia, propõe uma reflexão sobre os próprios privilégios e um debate aberto sobre o assunto como forma de combater essa problemática (duas propostas também discutidas pelo Dr. Martin Luther King na sua luta por direitos civis nos EUA enquanto estava vivo). Perguntas como “onde estão os negros dos lugares que você frequenta? E quais as posições e cargos deles em relação a você? Quantos deles frequentam esses cargos em especial?” ajudam a identificar uma segregação implícita de negros em determinados ambientes. Em uma frase que até me faz recordar pensamentos Kantianos sobre a busca da verdade e da honestidade, Aline afirma que a mudança coletiva começa a partir do individual e que considera bela a conscientização e participação da luta por direitos cada vez maiores entre jovens brasileiros acerca do assunto.
Por meio de políticas públicas, problemas como desemprego, analfabetismo e menores índices salariais entre pessoas negras podem ser combatidos, muitas vezes começando por lutar pela presença destes nos mais variados ambientes. Um exemplo de política pública efetiva são as cotas raciais. Pelo fato de garantirem maiores oportunidades aos estudantes, esse tipo de ação é muito valorizado por formar ótimos profissionais em faculdades, com a chance de graduação entre pessoas negras aumentando quatro vezes nas últimas décadas. Visto que 61,7% dos presos no Brasil são autodeclarados pretos ou pardos, esse tipo de medida auxilia a colocar mais gerar maiores mudanças tanto no âmbito educacional quanto no judicial, já que maiores oportunidades para negros ingressarem no judiciário e legislativo começam a surgir por meio do aprendizado.
Assim como no filme de Spike Lee, determinados problemas não deixam de existir tão rapidamente quanto gostaríamos. A falta de negros em determinados espaços é um problema há muito estudado e discutido. Com o uso da internet, a acessibilidade a esse tipo de debate fica cada vez mais simples de ser encontrada, principalmente quando se trata do gradual aumento de influenciadores pretos ganhando posições de destaque em mídias sociais, por exemplo. Além disso, em novembro de 2019, o IBGE divulgou que pela primeira vez que pretos eram a maioria em universidades públicas. Uma notícia como essa é o tipo de reviravolta que precisamos, talvez, não feita na base de uma cena para a outra, mas com mudanças sutis que poderiam abalar uma plateia, ou até mesmo, uma sociedade.
– ItaloMarquezini
Referências bibliográficas:
Infiltrado na Klan (2018), dirigido por Spike Lee
Debate sobre racismo na Globo News (05/06/2020)
https://guiadoestudante.abril.com.br/universidades/pela-primeira-vez-negros-sao-maioria-nas-universidades-publicas/
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