“- Antigamente havia um trem de volta, mas, hoje em dia, a viagem é só de ida. Ainda está interessada|?
– Sim. Eu voltarei andando pelos trilhos” — A Viagem de Chihiro

Na indústria do cinema ocidental, os “coming-of-age movies” ou filmes sobre amadurecimento, em uma tradução livre, fazem bastante sucesso. Recentemente, ótimos exemplos de filmes como esse surgiram, como “As Vantagens de Ser Invisível (2012)”, “Moonlight (2016)” e “Lady Bird (2017)”, isso sem citar as diversas comédias românticas que também são muito populares entre o público jovem. Até mesmo a animação “Homem-Aranha: no Aranha-verso” abordou muito bem as inseguranças do protagonista Miles Morales, que de um dia para o outro precisa arcar com as responsabilidades de ser um super-herói.

No entanto, “Aranha-verso” está longe de ser o único filme de animação a falar sobre a conquista da maturidade. As animações do Studio Ghibli também conseguiram abordar isso de forma muito sensível e inspiradora. Neste artigo, iremos falar de três filmes com mensagens fortes sobre maturidade e independência que você pode assistir para conhecer mais dos filmes do estúdio japonês.

O “intercâmbio” de uma bruxinha solitária

O filme “O Serviço de Entregas da Kiki”, lançado em 1989 e dirigido por Hayao Myazaki, aborda a história de Kiki, uma bruxinha que acabou de completar 13 anos e que, de acordo com sua tradição, deverá passar 1 ano de sua vida vivendo entre os humanos para ganhar maior aprendizado e maturidade, acompanhada apenas por seu gato preto. Ao encontrar a uma cidade litorânea que a menina se interessa por ficar, Kiki decide usar sua vassoura de bruxa como “veículo” para fazer entregas para várias pessoas da cidade, voando. E é daqui que surge o título do filme.

O conflito que a personagem possui envolve principalmente as inseguranças acerca das relações que ela cria na cidade nova. Enquanto em determinados momentos, amizades oferecem um conforto enorme para seu coração, a frieza que algumas pessoas demonstram abalam a garota a ponto de Kiki não se sentir confiável ou merecedora dessas amizades. O que impacta diretamente nas suas habilidades de bruxa.

Em um dos diálogos mais marcantes do filme, Ursula, uma desenhista hippie que faz amizade com Kiki, passa a aconselhar a garota mais nova. Ela a ensina sobre o valor de tirar um tempo para si mesma, para que, então, suas qualidades voltem a aflorar de forma mais orgânica e natural. Logo depois de ouvir esse conselho, a expressão de Kiki automaticamente muda e um momento de silêncio e reflexão surge no rosto da personagem. Aos poucos, a garota começa a entender mais sobre seu papel na própria vida e a aceitar a bondade que algumas pessoas têm a oferecer para ela.

O medo de uma cidade nova

No filme “A Viagem de Chihiro”, ganhador do Oscar de Melhor Animação em 2003 e dirigido também por Hayao Myazaki, conta a história de uma menina que está de mudança para uma cidade nova. A situação se dificulta quando seus pais são transformados em porcos e ela vai parar em um mundo cheio de espíritos e criaturas bizarras, e então Chihiro percebe que terá que enfrentar cada uma dessas coisas sozinha. Nesse mundo novo, ela começa a trabalhar para a velha bruxa, Yubaba, no que seria um “spa” para deuses e espíritos.

No começo do filme, o vento guia Chihiro para um caminho que ela sente medo de seguir. De fato, esse desconhecido se apresentou como perigoso e até aterrorizante para ela em determinados momentos. O amadurecimento da personagem é pautado exatamente nessa circunstância: no enfrentar o medo do novo em um momento claro e literal de mudança na vida da jovem.

A personagem não passa por esses momentos sozinha e isso não a torna menos heróina de sua história, visto que alguns personagens daquele próprio mundo aparecem ali apenas para aconselha-la. Chihiro também consegue superar diversos dos seus medos quando seu objetivo passa a ser proteger aqueles que ela se importa ou de simplesmente fazer o que acha certo. O que é muito diferente da menina do começo do filme, que se sentia só e sem motivação de enfrentar o desconhecido à sua frente, mas que agora se torna uma garota mais determinada e gentil com os que estão ao seu redor. Poder ver a evolução dessa personagem ao longo da trama é uma das melhores experiências que o Studio Ghibli poderia oferecer para o público.

A paixão de uma leitora voraz

O filme “Sussurros do Coração”, lançado em 1995 e dirigido por Yoshifumi Kondo, apresenta até então a história de amadurecimento com menos fantasia comparada aos outros títulos citados nesse texto. Nesta história, acompanhamos a rotina de Shizuku Tsukishima, uma garota prestes a entrar no ensino médio que sonha em viver uma história bonita como nos livros que ela pega emprestado na biblioteca. A trama se desenvolve quando Shizuku percebe que todos os livros que ela pegou para ler na biblioteca foram tempos antes pegos por um mesmo garoto e ela passa a tentar encontrar esse suposto leitor tão voraz por conhecimento quanto ela.

Shizuku vive uma vida muito comum e está a procura de histórias e tentando ser a protagonista de sua própria “fantasia romântica”. Mesmo possuindo um talento para poesia, a jovem ainda não tem um objetivo ou um sonho para depois do ensino médio. Shizuku até escreve sua própria versão de “Take Me Home, Country Roads” com versos exaltando uma perfeição e uma assertividade que ela mesma acha muito difícil de alcançar. A situação muda quando ela conhece Seiji Amasawa, um garoto que não quer cursar o ensino médio para poder fazer um curso de como construir violinos na Itália. Embora seja uma situação que resulta em conflitos na família do garoto, sua atitude e determinação acabam por inspirar Shizuku a fazer algo para si mesma: ela começa a escrever um livro. E também assume todas as responsabilidades de negligenciar um pouco os estudos para testar se é capaz desse feito.

E após uma conversa com o avô de Seiji, dono de uma loja de antiguidades que a garota também faz amizade, Shizuku percebe que não pode cobrar uma perfeição de si logo de cara, entendendo que esse processo, assim como o de um artesão, exige muito tempo e polimento. E que é sempre possível encontrar pureza e bondade em si mesma quando menos se espera. Shizuku depois se sente insegura e nervosa novamente, mas, dessa vez, é por causa do resultado de algo que ela dedicou vários dias para fazer. Shizuku realmente se importa com o que produziu e talvez seja assim que ela tenha entendido que amadurecer também é entender o que é realmente valioso para si.

Todos os filmes citados estão disponíveis no catálogo da Netflix (21/07/2020)

– Italo Marquezini